SIMONE DUARTE
“Algoritmos inteligentes, Big Data e comunicação social unir-se-ão para criar experiências únicas e personalizadas para todos os consumidores” – acredita Alan D. Mutter, que está em Silicon Valley, na Califórnia, a Meca da tecnologia, desde 1996 onde já foi CEO de trêsstart-ups. “Não faço a menor ideia de como é que as pessoas receberão as notícias em 2041 porque, até lá, a tecnologia evoluirá certamente muitíssimo. Há sete anos, não havia iPhones. Há três anos, não havia iPads. Há um ano, não havia o Google Glass [óculos de realidade aumentada que se ligam à internet e permitem sobrepor imagens digitais àquilo que o utilizador estiver a ver]. Há algumas semanas, não existia o relógio da Samsung [relógio que se liga à internet e tem algumas funcionalidades de um smartphone], mas o que eu sei é o seguinte: se o leitor for um vegetariano canhoto que ganha 33 mil euros por ano, adora música de acordeão polaca e tenciona fazer uma viagem a Moscovo receberá notícias, informação comercial e de lazer de acordo com as suas necessidades específicas, incluindo informação que ‘aterra’ no seu dispositivo inteligente quando passa por determinada loja ou circula por uma determinada estrada para ir trabalhar. A comunicação social será íntima, individualizada e transacional de formas que hoje não conseguimos imaginar” – prevê em declarações ao PÚBLICO o antigo jornalista que trocou a redacção do San Francisco Chronicle no fim dos anos 1980 para criar uma start-up. Hoje, o seu blogue Reflexions of a Newsosaur (Reflexões de um dinossauro das notícias) é leitura obrigatória para quem quer manter-se informado sobre tecnologia emedia.
O veterano Alan D. Mutter não acredita que 2041 seja uma data mágica para acabar com o papel impresso. Lembra que alguns jornais nos Estados Unidos e em outras partes do mundo já deixaram de ter versão em papel. Outros imprimem apenas em alguns dias da semana. Com o passar do tempo, os directores e administradores de mais publicações – acredita – optarão por deixar de imprimir ou por reduzir a sua dependência do papel. “Se a versão impressa continuar a diminuir nos próximos sete anos como diminuiu nos últimos sete anos (as receitas da publicidade de jornais nos Estados Unidos caíram de 49 mil milhões de dólares para 22 mil milhões em 2012), muitas serão as rotativas que se calarão muito antes de 2041. Por outro lado, o papel impresso será apreciado pelos consumidores para algumas finalidades e eu espero ardentemente poder ainda desfrutar do cheiro da tinta no papel em 2041, embora essa possa não ser a forma mais comum com que me chegam as notícias do dia. Agora que penso nisso, eu já recebo quase todas as minhas notícias em pixéis.”
O canadiano Brian Wong chegou a São Francisco muito depois de Alan D. Mutter. Tinha 18 anos quando se licenciou na Universidade em Vancôver. Aos 20, tornou-se o empreendedor mais jovem a receber financiamento de capital de risco no mundo. Hoje, tem 22. É co-fundador e CEO da Kiip, a maior rede móvel que dá prémios para incentivar os utilizadores a atingir objectivos em aplicações e jogos (por exemplo um jogador pode ter 5 dólares de desconto na Amazon depois de completar um nível num determinado jogo). Está presente em mais de 400 aplicações em 30 milhões de aparelhos móveis. A firma foi nomeada pela revista Fast Company uma das 50 empresas mais inovadoras em 2013. Angariou até agora 15,4 milhões de dólares de financiamento. Wong aposta que em 2041 vamos assistirà “tinderização” dos conteúdos.
“Penso que a muito recente e interessante aplicação chamada Tinder [uma aplicação lançada há pouco mais de um mês que aproxima pessoas que não se conhecem mas que moram perto umas das outras e podem ter ou não os mesmos interesses] não é apenas mais uma aplicação – escreve em declarações ao PÚBLICO por email. “Trata-se de um marco na história humana no sentido em que os nossos conteúdos e interacção vão ser, no futuro, muito mais binários, muito mais dimensionados em termos de bites. A nossa interacção móvel e instantânea requer microbits de processamento cerebral e o binário é a melhor forma de permitir uminput maciço para as mais diversas personalizações.”
“Houve tantas esperanças frustradas em relação à personalização que as pessoas já quase se esqueceram dela” – diz ao PÚBLICO Gene Liebel, o norte-americano que liderou o trabalho de redesenho desites noticiosos como CNN e Reuters e dirige a Work & Co., no Brooklyn, em Nova Iorque, uma das jovens empresas mais bem-sucedidas no desenvolvimento de produtos digitais. “Na verdade, trata-se de um problema técnico de tal complexidade que apenas nos últimos anos se começou a resolvê-lo. As funções de personalização de que dispomos hoje representam talvez 1% do que é possível. Em 2041, talvez os dispositivos sejam capazes de compreender e processar toda a nossa actividade – não só o que consumimos digitalmente, mas acontecimentos da nossa vida, porventura até as nossas conversas – e calcular o tipo de informação que nos interessa com um nível de fiabilidade espantoso.” Assim, garante Liebel ao PÚBLICO, “será possível ter uma tecnologia que possa verificar factualmente o trabalho de um jornalista – ou o discurso de um presidente – em tempo real”.
Liebel acredita que talvez 90% das formas como as pessoas consumirão notícias em 2041 serão inventadas depois de 2013, mas há algo que não mudará: “A tecnologia muda, mas nós temos tendência para querer as mesmas coisas. E, no que diz respeito ao consumo de notícias, uma coisa que tendemos a querer – e que a Internet tende a dar-nos – é mais controlo. Em 2041, Liebel gostaria de ver a chamada “economia da reputação” evoluir para um estádio em que os leitores tenham uma indicação imediata das novas fontes de informação que são fidedignas: “Gostaria de ter acesso a especialistas em todas as matérias – incluindo os que sejam completamente independentes – que tenham conquistado, com o tempo, a confiança da comunidade, quer pertençam a uma organização noticiosa estabelecida quer não.”
Sobre o papel dos editores, Gene Liebel acha que, em 2041, não terão mais o poder de formular a dieta de notícias diárias. “Embora isto possa parecer negativo, um dos objectivos dos editores é conseguir captar a minha atenção todos os dias, quer haja uma história importante para contar quer não. Isso é uma perda de controlo da minha parte, como leitor, algo que a Internet tende a eliminar com o tempo.”
Já Michael Bove Jr., do prestigiado Laboratório de Media do MIT, Instituto de Tecnologia de Massachusetts, não vai tão longe. Acha que a curadoria e a edição serão feitas em parte por profissionais, em parte pelas redes sociais e parte será automatizada. “Tendo a pensar que as notícias vão surgir de três fontes: jornalistas profissionais, jornalistas-cidadãos e o que poderemos chamar ‘jornalistas-robôs’ (sensores que recolhem informação e a transformam em alguma coisa que interessa aos seres humanos)” – afirma ao PÚBLICO o director do Consumer eletronics Lab e co-director do Center for Future Storytelling do Media Lab.
“Neste momento, estamos a viver uma revolução radical na forma como se consomem notícias” – diz ao PÚBLICO a jornalista Amy O’Leary do The New York Times, que esteve recentemente a participar da conferência Regresso ao Jornalismo, na Escola Superior de Comunicação Social, em Lisboa, e faz parte do recém-criado grupo de inovação formado por seis profissionais do jornal norte-americano. “Há dez anos, os leitores começaram a fazer uma transição do papel para o online. Nos últimos dois, o consumo de notícias em telemóveis e tablets aumentou a um ritmo absolutamente extraordinário; muito em breve, haverá mais pessoas a ler notícias em telefones inteligentes do que em computadores. Estas alterações de comportamento estão a acontecer mais depressa do que nunca e não se sabe onde nos podem levar. É por isso que é difícil imaginar exactamente como é que as pessoas vão consumir notícias em 2041. Alguns futuristas pensam que computadores ‘vestíveis’, como o Google Glass ou os ‘relógios inteligentes’, irão tornar-se tão comuns como hoje são os telefones. Outros imaginaram visões mais radicais: que a biotecnologia possa, um dia destes, ser integrada com o corpo humano para fornecer informação. Felizmente, o jornalismo sempre foi bom em encontrar novas histórias, novas pessoas, novos heróis e vilões. Em 2041, acho que isso continuará a ser o cerne do nosso trabalho. Temos é de ser muito, mas muito melhores nesse domínio.”
O português João Medeiros, editor de ciência da revista Wired, concorda. São os próprios jornalistas confrontados com tantos desafios mas também com novas oportunidades que precisam de se reinventar, mais do que a plataforma ou o produto em si: “Os jornalistas têm de ser capazes de experimentar e inovar no modo como contam as histórias e precisam cultivar a diligência, a componente essencial para procurar as histórias que precisam de ser contadas no nosso tempo. Esta é a essência do jornalismo.”
Amy O’Leary remata: “Não consigo perspectivar qual será o sistema de fornecimento de informação em 2041, mas, seja qual for, o jornalismo terá de continuar a ser rigoroso, objectivo e célere quando os factos acontecerem. As pessoas procurarão sempre histórias interessantes e bem contadas. Estas duas coisas vão ser sempre iguais.”